Por perito criminal federal Luiz Spricigo Junior

Em uma manhã do mês de março de 2018, a equipe de peritos de sobreaviso do setor Técnico Científico do Paraná foi acionada para atendimento de um local de crime. A ocorrência era de um roubo em uma agência dos Correios em Rio Branco do Sul, cidade que fica a cerca de 30 minutos de distância de Curitiba. Como de costume, a equipe se deslocou até o local, onde se deparou com funcionários no interior da agência, que verificavam o que fora levado, tocando o interior do cofre e as gavetas de dinheiro dos caixas.

Ao conversar com o gerente da agência, o perito criminal foi informado que ele havia sido rendido por dois indivíduos ao chegar para trabalhar. Um dos sujeitos permaneceu do lado de fora da agência e rendeu os demais funcionários que chegavam. O indivíduo que entrou, acompanhado do gerente, obrigou-o abrir o cofre.

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Figura 1 – Uma das inúmeras ocorrências de roubo em agência dos Correios atendida pelo Setor de Perícias da Policia Federal de Curitiba

À medida que os demais funcionários chegavam, eles também eram encaminhados para o interior do estabelecimento. Toda a ação durou aproximadamente 15 minutos. Os suspeitos deixaram o local levando dois malotes com todo o dinheiro do cofre, que resultou em um prejuízo de aproximadamente 40 mil reais. 

A ocorrência descrita é real e tornou-se frequente nos últimos anos em Curitiba, com pequenas variações de forma de atuação dos suspeitos, ou com ocorrências em viaturas dos Correios. Em 2017, na região de circunscrição do SETEC/SR/PF/PR, foram registrados 125 casos de roubo ou furto em agências dos Correios e Caixa Econômica Federal, e isso representa 85,54% das ocorrências de local de crime.

Os peritos que atuam no processamento de locais de crime são os responsáveis pela interpretação dos fatos relacionados à ocorrência de um delito, buscando vestígios e indícios que possam levar a materialidade e autoria do fato.

Tal busca demanda treinamento constante e protocolos de registro e coleta dos eventuais vestígios identificados. Deve-se registrar de forma inequívoca cada vestígio, fotografando e catalogando sua natureza, localização e forma de coleta, dentre outras informações pertinentes.

O vestígio pode ser, por exemplo, a carteira do indivíduo esquecida no local. Entretanto, na grande maioria das vezes, é muito mais sutil; tal como uma bituca de cigarro, uma pegada com traços de terra, uma impressão digital ou saliva na borda de um copo.

Um dos principais focos de busca, na atualidade, é por vestígios que contenham material biológico dos indivíduos que cometeram o crime, sendo fonte de material genético que pode indicar o responsável pelo ato. Dentre as inúmeras atividades necessárias durante o processamento do local, a identificação e coleta de tais vestígios biológicos são, possivelmente, as que mais demandam atenção e cuidados. A contaminação de tais vestígios é um risco constante.

Figura 2 – Distribuição dos órgãos que tiveram ocorrências de atendimento de sobreaviso atendidas pelo SETEC/SR/PF/PR, no ano de 2017

Imagine que você, leitor, é o perito responsável pelo processamento. Considerando o tempo desde a saída dos suspeitos do local e o seu acionamento, passaram-se 20 minutos, somam-se outros 60 minutos até a chegada na agência. Durante esse tempo, além dos funcionários da agência, dois outros dos Correios, responsáveis pela área de segurança daquela empresa, chegam ao local. Quando de suas chegadas, cinco funcionários movimentam-se sem qualquer cuidado no interior do prédio.

Um dos princípios basilares da perícia em locais de crime é o enunciado de Edmond Locard, que foi diretor do primeiro laboratório forense, em Lyon, na França. O enunciado de Locard afirma que todo aquele que estiver em um local irá deixar algo de si e levar algo do local. Tal dinâmica é de grande valia na identificação dos autores de um crime, principalmente quando algumas células são suficientes para obtenção de um perfil genético.

Mas, na ocorrência descrita anteriormente, qual problema estará diretamente relacionado com tal enunciado? Assim como os suspeitos deixaram material biológico no interior da agência, os funcionários, tanto aqueles que ali trabalham quanto os que chegaram após a ocorrência, também deixaram material biológico no local.

Esse é um dos dilemas atuais das equipes de processamento de local de crime. A falta de preservação e isolamento do local de crime gera transtornos para a equipe que terá que identificar e selecionar eventuais vestígios biológicos.

Será que os vestígios coletados terão utilidade para o Laboratório de DNA? Existe grande possibilidade do material biológico coletado ser proveniente de um dos funcionários dos Correios, fato esse que só será confirmado após as análises laboratoriais, sendo que o custo para realização dos exames será multiplicado pelo número de funcionários presentes na agência, analisando-se os vestígios coletados e o material biológico dos funcionários, para exclusão. O custo para cada exame é de, aproximadamente, R$ 250,00.

No local de Rio Branco do Sul foram coletados três vestígios com possibilidade de conter material genético. Em dois deles foi obtido DNA, um alicate, com mistura de material genético de dois indivíduos, não sendo possível a individualização dos perfis, e um copo plástico que fora utilizado por um dos indivíduos. No copo, que foi mantido preservado pelos funcionários dos Correios, foi obtido um perfil completo de DNA (figura 3).

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Figura 3 – Possível vestígio biológico recolhido em local de crime

Preservação x isolamento

Cabe aqui uma breve diferenciação entre preservação e isolamento do local de crime. A preservação do local de crime diz respeito a manutenção dos objetos e elementos do local de forma inalterada, a partir da saída dos suspeitos até a chegada da equipe pericial. O isolamento faz parte desse processo, evitando que qualquer pessoa adentre e permaneça no local.

Há registro de casos em que o suspeito tomou café no local de crime e a gerente da agência dos Correios, enquanto aguardava a chegada da equipe pericial, lavou a louça que estava na pia da copa. As chances de encontrar material genético do indivíduo naquela xícara eram enormes, entretanto, perdeu-se um elemento fundamental na busca pela autoria em razão de desconhecimento da funcionária.

Os problemas relacionados com preservação de local de crime são endêmicos no Brasil. Não há uma cultura de isolamento e preservação, o mais frequente é ver fotos e vídeos de pessoas abraçando corpos ou adentrando áreas de isolamento. O primeiro impulso, ao que parece, não é chamar as autoridades, mas sacar o celular para fazer um vídeo e colocar em redes sociais.

Figura 4 – Local de explosão de caixa eletrônico delimitado por fita de isolamento

A investigação de crimes contra a vida ou contra o patrimônio tem sua base material nos exames periciais realizados por peritos criminais. As deficiências no isolamento e na preservação dos locais geram problemas graves, causando a perda de elementos fundamentais na elucidação dos casos.

Frequentemente, os vestígios coletados no local de crime irão demandar processamento e análise laboratorial, sendo que, no caso de vestígios biológicos, isso é sempre necessário. É fundamental o trabalho do perito de local, identificando, registrando e coletando de forma correta os vestígios, somente assim é possível a identificação segura dos vestígios com sua fonte de origem, por meio do DNA.

A coleta do vestígio biológico

O ciclo do vestígio biológico inicia-se no local de crime, com sua identificação e coleta pelo responsável por processar a cena de crime. Tal processo terá sua continuidade com o envio do material ao laboratório que irá extrair e processar o material genético, obtendo-se, nos casos de sucesso, um perfil genético.

O link entre os peritos de local de crime e os que atuam no laboratório de genética forense é fundamental. Há uma necessidade premente de integração entre essas duas áreas de atuação da perícia.

O feedback dos resultados obtidos pelo laboratório é de grande importância para o aprimoramento dos procedimentos e protocolos adotados pelas equipes de local de crime. Tal feedback informará as equipes de local que tipo de vestígios apresenta melhor resultado na obtenção de perfis genéticos e quais não apresentam resultados positivos.

Uma decorrência direta da falta de isolamento e preservação do local de crime, sentida no laboratório de Genética Forense é a possibilidade de mistura do material genético coletado no vestígio biológico.

A mistura de material genético é um grave problema para a análise deste vestígio no laboratório de Genética Forense. Considerando a possibilidade de um mesmo objeto ser tocado pelo suspeito e por um dos funcionários, a mistura do material biológico é muito provável e, tendo em vista as características intrínsecas ao exame de DNA forense, haverá a mistura dos materiais genéticos, perdendo-se a informação, a possibilidade de identificar, indubitavelmente, o autor do crime.

A capacitação constante, a definição de protocolos claros e rígidos nos trabalhos de local de crime são fundamentais para o sucesso da persecução penal. O momento é oportuno para discutir sobre a necessidade de buscar certificação e acreditação para as equipes de local de crime, de forma que, quanto mais especializado e padronizado for o trabalho realizado no campo, melhores serão as análises decorrentes, menores serão os questionamentos e menores as chances de erros.