Em um contexto de repressão financeira, as organizações criminosas e de fortalecimento do combate à corrupção, ao desvio de recursos públicos e à lavagem de dinheiro, ganha destaque a prova pericial contábil-financeira. Buscando oferecer ao juiz conclusões com fundamentos técnicos acerca de questões relacionadas aos crimes em apuração, o perito criminal empresta ao julgador o conhecimento especializado necessário à interpretação e ao entendimento de fatos questionados.
Diferentemente dos crimes de homicídio e de furto, por exemplo, em que o corpo de delito inscreve-se em uma cena de crime melhor delimitada, nos crimes de cunho essencialmente econômico, os vestígios estão dispersos em estruturas financeiras, econômicas e administrativas; materializados em extratos bancários, cheques, ordens bancárias, relatórios de aplicações financeiras, declarações de impostos de renda, processos licitatórios, contratos, notas fiscais, livros contábeis e diversos outros documentos que representem as transações financeiras e as relações econômicas.
Assim, a análise pericial desse conjunto probatório serve para apontar se existem ou não elementos caracterizadores de crime financeiro.
Por exemplo, nos crimes de desvio de recursos públicos e de corrupção, a perícia contábil-financeira é capaz de identificar pagamentos indevidos, contratos fraudulentos, notas fiscais frias e calçadas, sobrepreço ou superfaturamento de produtos e serviços. Isso é possível por meio do exame da documentação relativa à contratação e à execução de serviços, bem como pela verificação dos pagamentos realizados e dos respectivos registros contábeis, de forma a esclarecer, com detalhes, o evento investigado.
Do outro lado, entre as estratégias para lavagem do dinheiro oriunda de atividades ilícitas, destacam-se a identificação de fracionamento de recursos, a circulação de dinheiro por paraísos fiscais, a ocultação de valores e patrimônio, o emprego de “laranjas” e “testas de ferro”, a contabilidade fraudulenta ou paralela, a simulação de renda, a simulação de operações comerciais e os empréstimos fictícios.
No combate ao crime de lavagem de dinheiro, um dos mais importantes exames periciais na evidenciação dessas técnicas de lavagem é o rastreamento de recursos. Trata-se de procedimento utilizado pelo expert com propósito de identificar a origem e o destino de fundos movimentados, a fim de desenhar o caminho do dinheiro e alcançar, na gênese, a conexão com o crime antecedente.
Esse exame permite, ainda, estabelecer relacionamentos entre pessoas e bens, de modo a revelar a estrutura da organização criminosa. Vale destacar que o rastreamento de recursos é um dos poucos meios que permite o avanço investigativo na hierarquia do crime, uma vez que os líderes das organizações costumam ficar “ocultos”, valendo-se de operadores para praticar os atos criminosos por eles determinados.
Instrumento que também merece destaque é a Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda Pessoa Física. Isso porque, os criminosos inserem, no documento, informação falsa (ou ocultam informação verdadeira) para justificar elevado padrão de vida que experimentam. A análise cuidadosa pelo perito, confrontando as informações declaradas com documentos que as confirmem ou revelem sua ficção, é essencial para conferir credibilidade à declaração ou, em contraposição, apontá-la como meio de promoção de lavagem de dinheiro.
Operações
Como não poderia deixar de ser, diante do cenário de corrupção verificado no Brasil nos últimos anos, a perícia contábil-financeira tem marcado presença. Neste sentido, vale mencionar participações efetivas em operações de grande repercussão, como Mensalão, Sanguessuga, Caixa de Pandora, Lava Jato, Zelotes, Greenfield e Bullish, dentre outras.
Tecnologia
Para superar os desafios no combate a esquemas criminosos cada vez mais sofisticados, a perícia contábil-financeira conta com o apoio de tecnologia de ponta. Os peritos criminais federais dispõem de computadores com alta capacidade de processamento e têm à sua disposição softwares como Qlikview, Suíte I2, Simba e Microsoft Access. Essas ferramentas auxiliam no processamento de grandes volumes de dados, sendo instrumentos que contribuem para uma maior eficiência na realização de perícias complexas, tanto em termos de qualidade, quanto em prazo de atendimento.
Simba
O Simba é uma plataforma por meio da qual, diante das decisões judiciais de afastamento de sigilo bancário, as instituições financeiras transmitem – via rede mundial de computadores – dados bancários de investigados para os órgãos de persecução penal. Desde 2010, com a publicação da Instrução Normativa nº 42/2010-DG/DPF, a Polícia Federal passou a utilizar essa plataforma, disponibilizando aos policiais um sistema customizado voltado às necessidades das investigações e dos exames periciais.
Em paralelo, surgiu um arcabouço normativo que conferiu mais efetividade à utilização do sistema, destacando-se a Instrução Normativa nº 3/2010-CNJ e a Carta Circular nº 3454/2010-BCB, sendo que essa última estabeleceu um layout único e padronizado a ser empregado por todas as instituições financeiras nas transmissões de informações com sigilo afastado.
No âmbito da PF, foi instituído, por meio da Portaria nº 6092/2015-DG/DPF, o Comitê Gestor do Simba, com objetivo de deliberar a respeito das questões relacionadas ao Simba na Polícia Federal. O CGSimbaPF é composto por 4 membros, divididos entre o Serviço de Perícias Contábeis e Econômicas do Instituto Nacional de Criminalística – SEPCONT/DPER/INC/DITEC/PF e a Divisão de Repressão a Crimes Financeiros – DFIN/DICOR/PF.
A implantação do sistema constitui um marco importante na história da perícia contábil-financeira da Polícia Federal do Brasil, eliminando das mesas dos peritos o grande volume de folhas de extratos e de documentos bancários, os quais precisavam ser digitados, conferidos e, posteriormente, disponibilizados em programas de computador para a manipulação eletrônica dos dados para as respectivas análises periciais.
Corpo pericial
O Sistema Nacional de Criminalística da Polícia Federal registra mais de 240 peritos criminais federais da área contábil-financeira, profissionais com formação acadêmica em ciências contábeis e economia (internamente conhecidos como peritos da área 1). Destes, cerca de 40 emprestam sua experiência e conhecimento a outros setores da Polícia Federal, especialmente nas áreas de gestão e direção. Em sua maior parte, os peritos da área 1 estão espalhados pelo País, nas diversas unidades descentralizadas da Polícia Federal, alguns deles lotados em Brasília, no Instituto Nacional de Criminalística, órgão central das perícias criminais da PF.
Artigo produzido pelos peritos criminais federais Marden Jorge Fernandes Rosa e Rafael Sousa Lima