É preocupante o agravamento da crise de violência no país. A população sofre com uma epidemia de homicídios. Em 2017, o enfrentamento entre forças de segurança e criminosos resultou em mais de 5 mil mortes nas intervenções policiais e em pelo menos um policial civil ou militar morto por dia. As prisões superlotadas estão dominadas pelas facções e são usadas como centros de formação do crime. Temos a 3ª maior população carcerária do mundo, com 730 mil presos, atrás de China e EUA. Portanto, o Brasil não prende pouco, mas tem sido ineficiente no combate à criminalidade.

Pensando nesse quadro, a Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF), entidade representativa da carreira da Polícia Federal responsável pela produção de provas baseadas nas análises científicas dos materiais colhidos em cenas de crimes e nas buscas e apreensões, levou ao conhecimento de todos os presidenciáveis três propostas que, se efetivadas pelo próximo ou pela próxima presidente da República, contribuirão concretamente para que o Estado possa enfrentar o crime com efetividade. Todos os candidatos confirmaram o recebimento do documento por meio de suas campanhas.

Para compreender a atual crise de segurança é preciso analisar o contexto. Infelizmente, o Estado brasileiro não tem utilizado todo o potencial da ciência no enfrentamento à criminalidade. Prova disso é a subutilização dos bancos de DNA, decorrente do descumprimento sistemático da Lei de Execução Penal, que determina a identificação por material genético de condenados por crimes hediondos e violentos. Ao deixar de alimentar e usar os bancos de DNA abre-se mão de uma ferramenta fundamental para a resolução e prevenção de crimes, sobretudo os sexuais.

A busca por soluções para a crise de segurança pública deve ser prioritária para o próximo governo e a maior atenção ao desenvolvimento científico e tecnológico para emprego em segurança pública é fundamental nesse processo.

Compromisso 1: Aumentar taxa de resolução de crimes

O primeiro compromisso proposto pela APCF aos candidatos é o de aumentar a taxa de resolução de crimes no país que, hoje, é pífio quando falamos de corrupção, homicídios e estupros.

A ausência de estatísticas confiáveis e globais faz com que não exista um número preciso. Os estudos mais completos apontam que em torno de 5% dos crimes sejam solucionados no país. Para minimizar divergências, é possível assegurar que, no Brasil, menos de 10% dos crimes são resolvidos. No Reino Unido, por exemplo, a taxa de resolução de homicídios fica em torno de 90%.
As principais ações concretas para reverter esse quadro e combater a corrupção, a violência sexual e os homicídios demandam que o Estado dê prioridade para a ciência e tecnologia e são as seguintes:

1) As polícias precisam ser reestruturadas para se tornarem mais investigativas e menos burocráticas, de forma a aumentarem a efetividade de suas ações finalísticas: investigar e produzir prova. Para isso, é preciso capacitação continuada, estabelecer critérios de meritocracia para funções de comando, fortalecer as perícias oficiais e valorizar as carreiras de apoio, destinadas a cuidar de setores e tarefas administrativas, liberando os policiais para o cumprimento das atividades fim do órgão. As forças policiais devem ser mais bem aparelhadas tecnologicamente para fazer frente à criminalidade e solucionar crimes. É preciso estimular o desenvolvimento de softwares aplicados à realidade brasileira, destinados a otimizar a investigação, a produção de prova e o combate à criminalidade, por meio de programas de inovação tecnológica e registro de patentes.

2) O país precisa ativar e dar efetividade aos seus bancos de dados de ponta. Um deles é o Sistema Nacional de Análise Balística (SINAB), que poderia ajudar na solução de milhares de crimes cometidos com arma de fogo e que até hoje não puderam ser resolvidos. O sistema pode relacionar crimes cometidos com a arma a partir da análise dos projéteis e estojos recolhidos no local do crime pela perícia oficial. Outro banco de dados subutilizado hoje é a Rede Integrada de Banco de Perfis Genéticos. Menos de 2% dos condenados por crimes violentos e hediondos estão identificados nos bancos de DNA, uma situação em flagrante desacordo com a Lei de Execução Penal. Mesmo com esse pouco material, as polícias científicas já conseguiram resolver quase 500 casos que estavam em aberto. Além disso, é importante passar a colher o material genético dos condenados que pleiteiam progressão de regime. Quanto mais desenvolvido for o banco, maior a taxa de resolução de crimes e menor o risco de reincidência, além de reduzir a possibilidade de condenações injustas.

3) É preciso melhorar o investimento em segurança pública. A eficiência no combate à criminalidade é proporcional aos recursos investidos em pesquisa, inovação e desenvolvimento científico e tecnológico, que também estão a serviço das forças de segurança. Enquanto muitos países desenvolvidos chegam a destinar cerca de 4% do PIB a essa área, o investimento brasileiro, público e privado, gira em torno de 1%. Considerando que nem tudo é destinado às tecnologias de segurança, o investimento nessa área ainda é muito pequeno. É fundamental estimular programas de fomento às ciências forenses nas universidades e nas forças de segurança pública, possibilitando a produção de pesquisas científicas e a formação de recursos humanos pós-graduados aplicados em Ciências Forenses, contribuindo para o desenvolvimento e consolidação do pensamento brasileiro na área. O último investimento, no entanto, foi em 2014 por meio do edital do programa Pro-Forenses, da CAPES, que aprovou 20 projetos de pesquisa na área de segurança pública. É preciso retomar e ampliar essa experiência e iniciar novas.

Compromisso 2: desidratar as facções criminosas

O Estado brasileiro tem contribuído para a expansão do crime organizado ao prender pessoas de diferentes níveis de periculosidade no mesmo ambiente. Controlados pelas facções, os presídios são usados como centros de recrutamento e formação de mão de obra criminosa. As principais ações concretas para reverter esse quadro e o Estado parar de contribuir com o crime são:

1) Retomar o controle dos presídios. Para isso, é preciso explorar mais eficazmente a estrutura dos presídios federais para manter presos e isolados os condenados de alta periculosidade e líderes de facções criminosas. Separar, em todos os presídios, os diferentes tipos de regimes dentro do sistema prisional de acordo com idade, delito cometido, emprego ou não de violência e nível hierárquico na estrutura da organização criminosa. Deve-se ainda investir em soluções tecnológicas, como tornozeleiras eletrônicas, a fim de minimizar, nos casos possíveis, o tempo de permanência no regime fechado e de exposição às facções organizadas. Potencializar o emprego de bloqueadores de celulares e de drones, além de scanners corporais, este último com o intuito de tornar mais eficaz o combate à entrada de drogas, armas e celulares, com efeito significativo na redução do comando do crime organizado de dentro dos presídios.

2) Atacar o sistema financeiro das organizações criminosas porque o crime organizado não sobrevive sem recursos financeiros, estando interligado a operações de lavagem de dinheiro. A estrutura das facções é montada de forma a substituir rapidamente os integrantes que são presos a fim de manter sempre ativo e eficiente o sistema de arrecadação e de lavagem de divisas que sustenta toda a atuação criminosa. É preciso, portanto, atacar o sistema financeiro das facções. Para isso é necessário que o Brasil especialize e fortaleça as ações de inteligência na área mediante a criação de centros inteligentes de integração de ferramentas e de expertise para combate ao crime financeiro, dentre os quais a lavagem de dinheiro, compartilhando de forma harmônica os dados entre forças policiais e órgãos de fiscalização.

Compromisso 3: Combater o consumo de drogas ilícitas

O comércio ilícito de drogas é um dos principais financiadores do crime organizado no Brasil. É hora de o Estado brasileiro reconhecer que o uso de drogas proibidas é elevado e está presente em todas as camadas sociais e profissionais. As principais ações concretas para reverter esse quadro e diminuir os lucros do narcotráfico são:

1) Investir em uma campanha permanente e massiva de prevenção ao consumo de drogas, alertando a população sobre os malefícios que o hábito causa para a saúde e para a sociedade, uma vez que provê recursos para a continuidade e reprodução das facções criminosas.

2) É preciso impedir a produção e a preparação de drogas ilícitas evitando que produtos químicos capazes de serem empregados nos processos de elaboração cheguem às mãos do tráfico. Para isso, é urgente investir e dar eficiência ao sistema de controle de produtos químicos, inclusive modernizando a legislação de forma a adequá-la à realidade brasileira, tornando mais eficiente o combate à fabricação de substâncias ilícitas e reduzir a oferta de drogas.

3) Priorizar programas de pesquisa sobre o perfil químico de drogas, criando banco de dados sobre composição de substâncias ilícitas e insumos químicos empregados na produção. Juntamente com dados relativos ao controle de produtos químicos, esta ação poderá permitir estudos avançados sobre o quantitativo de droga produzida e circulante em uma determinada região, origem das drogas e rotas de tráfico. Até hoje, são escassas as informações estruturadas sobre esses dados, o que impede que qualquer política pública do setor seja minimamente eficiente, enfraquecendo o combate ao narcotráfico.

4) Rever a Lei de Drogas, que data de 2006. O uso de drogas, embora ainda seja considerado crime, passou a ser abordado como questão de saúde e não mais passível de detenção. No entanto, nos últimos 12 anos o consumo cresceu e, com ele, o tráfico também. Como resultado, o número de prisões decorrentes da lei de drogas aumentou, respondendo por 28% do sistema prisional. Diante desse fato, sem prejuízo das demais medidas, é preciso ajustar a lei no que diz respeito à tipificação penal do tráfico de drogas. Atualmente, diferentes escalas da hierarquia do narcotráfico são tratadas de forma similar, dentro do mesmo tipo de regime, contribuindo para o inchaço do sistema prisional e, sobretudo, para o aumento de mão de obra para o crime organizado.

*Marcos Camargo, presidente da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais (APCF)

Sexta-feira, 28 de setembro de 2018
Fonte: Estadão